Indignação e mudança
Domingo, 9 de outubro de 2011
Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo
(Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte – MG)
A indignação é uma das formas de impedir que a sociedade se acostume com desmandos e falcatruas - abandonando a letargia ante a corrupção que prejudica o bem comum. Pode ser também caminho para que a transparência predomine no controle dos funcionamentos financeiros e administrativos. Sem se indignar, a sociedade correrá sempre o risco de afundar na lama da imoralidade, da permissividade e na relativização de valores.
Valores e princípios têm a prerrogativa e o poder de segurar processos, aperfeiçoar controles e a ser intransigente no respeito devido às normas e aos procedimentos que são inegociáveis.
A indignação não pode se esgotar apenas em manifestações e passeatas, por mais oportunas e fortes que sejam, sobretudo, em nossa sociedade contemporânea. Obviamente, é necessário dar força e corpo às manifestações indignadas, na coragem sincera, na defesa da verdade e da justiça, em todos os âmbitos, públicos e privados.
É preciso ir além e esquadrinhar as razões que desconsideram os valores e princípios nas questões mais importantes da sociedade. Não pode ficar de fora, naturalmente, o entendimento sobre a vivência da fé que se professa. Sem dúvida, esta é uma credencial de autenticidade. E uma fé autêntica se concretiza no compromisso com o bem. Esta é a genuína fé cristã. Do contrário, pode se reduzir a prática da fé a uma simples busca interesseira, com traços de egoísmo.
A igreja ou a assembleia ficam reduzidas a uma espécie de supermercado de milagres que parece dispensar o compromisso com a vida de todos, dom de Deus, respeitada em todas as suas etapas. A verdade da fé cristã, cultura que subjaz sustentando a cultura brasileira, exige, sem dispensas, compromissos que ultrapassam o próprio bem, a cura de uma enfermidade, a conquista de um bom emprego, a prosperidade, sonhos de todos.
A fé cristã tem dinâmicas próprias para remeter o sujeito do âmago de sua indignação ao mais recôndito de sua consciência, onde é possível garantir não ser hoje indignado com a corrupção e amanhã compactuar com ela, seduzido pelo interesse e força espúria da ganância. Estas fraquezas anestesiam consciências na manutenção do limite permitindo, consequentemente, desvios de condutas que apenas aparentam ser honestas.
É preciso cuidar da verdade da consciência. E também da formação e do cultivo da moral. Questionar e não aceitar a normalidade das relativizações que têm permitido acontecimentos hediondos nas famílias e nas instituições governamentais, privadas e religiosas. É triste constatar a crise de moral em pessoas que ocupam postos e funções importantes e de responsabilidade. Exige-se uma ilibada conduta, mas adota-se comportamento e prática não aceitáveis.
A formação da consciência moral, compromisso e bem para todos, deve ser uma prioridade. Caso contrário, a indignação contra a corrupção pode se tornar apenas uma brisa de ética, uma viragem passageira de moralidade. Esta formação se tornará eficaz na medida em que as instituições priorizarem os valores e princípios no dia a dia. Lamentavelmente, parece não existir tal preocupação em muitos processos formativos. Jesus, Mestre dos mestres, tem a oportuna indicação pedagógica no Sermão da Montanha: “Por que observas o cisco no olho de teu irmão e não reparas na trave que está no teu próprio olho? Tira primeiro a trave do teu próprio olho, e então enxergarás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão”. Por este caminho se pode e se deve transformar a indignação em mudança.
(Fonte: ZENIT.org)
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