REDES SOCIAIS

A Espiritualidade e o mundo Atual

em segunda-feira, 16 de julho de 2012

           "E Deus viu que era bom... e Deus viu que era muito bom". Assim, em forma poética, descreveu o Autor Sagrado a criação do mundo nos capítulos I e II do livro do Gênesis. O mal entra como fruto da escolha livre dos anjos e dos homens (Gênesis, cap. III). A partir daí a criação herda uma desordem que chegará a ser motivo para alguns pensadores cristãos desenvolverem um pensamento de dualidade entre o céu (que é sempre bom) e o mundo, que é mal.
A consequência verifica-se numa ruptura entre espiritualidade e atividades sociais, e o pior numa separação entre o "sacro" e o "mundano". Esta ideia, preponderantemente presente no medievo, continua ainda muito forte quando propomos uma separação radical entre "as coisas de Deus" e "as coisas do mundo". O desastre é bem visível: de um lado ficam os bons, os fiéis, os farisaicamente corretos e, do outro, os pecadores, infiéis e mundanos. Gera-se assim uma escandalosa divisão e quase oposição entre a espiritualidade e o mundo atual, que depois vai tornando-se nuns e noutros em dicotomia entre fé e vida.
É bem verdade que o homem pós-moderno continua a ter sede de algo que o preencha, que seja mais que o virtual, que dê sentido a sua existência. A busca por este sentido foi uma das causas primeiras para que a questão religiosa estivesse presente em todos os povos da face da terra. Mas, hoje, as possibilidades de respostas são quase infinitas, pois seitas e religiões chuviscam ou borbulham por todo o globo terrestre e compõem igualmente as inúmeras opções deste mundão chamado internet. Diante disto, o cristianismo apresenta-se como a identidade religiosa de muitos povos e mantem sua vocação universal, sendo, contudo, desafiado cada dia a responder as questões de sempre, porém reformuladas a partir das ideias e comportamentos das pessoas deste nosso tempo. Como nós cristãos haveremos de nos ocupar de tamanha responsabilidade? Respostas imediatas são quase sempre falíveis, mas sem dúvida o modelo mais adequado para responder de modo não só convincente, mas também coerente aos coetâneos é aquele inspirado na própria realidade da Encarnação do Filho de Deus.

"E a Palavra se fez Homem e abitou entre nós" (Jo 1, 14). Como poderemos falar aos homens se não sendo um com eles e compartilhando de suas angustias e esperanças mais profundas? A resposta da fé torna-se espiritualidade quando é capaz de envolver-se com o mundo para o transformar. É belo encontrar na Oração Eucarística VI D, uma breve síntese do deveria ser a espiritualidade do cristão no mundo atual: "Pai misericordioso e Deus fiel, Vós nos destes vosso Filho Jesus Cristo, nosso Senhor e Redentor. Ele sempre se mostrou cheio de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e pecadores, colocando-se ao lado dos perseguidos e marginalizados. Com a vida e a palavra anunciou ao mundo que sois Pai e cuidais de todos como filhos e filhas". É este encontro com o outro, fazendo-se próximo para ouvi-lo e compartilhar de suas dores que abre caminhos para o encontro com Cristo, raiz e plenitude de nossa espiritualidade. Não pensemos que é o aumento de títulos devocionais, de "montes" milagrosos ou de ritualística desencarnada que sustentara a experiência de Deus dos homens e mulheres de nosso mundo. Ligar a televisão hoje é deparar-se com este desencontro (oposto do nome religião) entre sagrado e profano. De um lado, canais que ridicularizam e menosprezam a religião como algo ultrapassado e digno do escárnio; de outro, um frenesim de programas em torno de curas, milagres, promessas de enriquecimento, profecias (sem profetismo). Como ainda estamos distantes do modelo de Jesus. Miserere nobis!




Pe. José Lenilson de Morais

(Vigário paroquial de São José de Mipibu)

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